Mundo muçulmano se prepara para um ramadã sob a sombra da guerra em Gaza
Para os muçulmanos, o mês do ramadã é sinônimo de orações, espiritualidade e refeições festivas ao anoitecer. Mas, este ano, o sofrimento dos palestinos de Gaza e a incerteza sobre a trégua entre Israel e Hamas ocupam todas as mentes.
A guerra, que eclodiu em 7 de outubro após o ataque sem precedentes do movimentos islamista palestino no sul de Israel, entrou em seu sexto mês e levanta temores de uma escalada regional.
Sentada em meio aos escombros, Nevin al Siksek agita uma lanterna de plástico para distrair sua neta em frente à sua tenda em Rafah, no sul do território onde estão aglomeradas cerca de um milhão e meio de pessoas.
Estas lanternas tradicionais, chamadas "fanus", são típicas no mês do jejum, um dos cinco pilares do islamismo.
Este ano, em meio a um território devastado pela guerra, estes objetos são o único sinal da aproximação do ramadã, que tem início a partir do primeiro avistamento da lua crescente, no próximo domingo (10) ou na segunda-feira (11).
A morte, a destruição e a ameaça da fome ofuscam todo o resto.
Em vez de consumirem cordeiro e os doces tradicionais em sua casa no norte de Gaza, Nevin e sua família quebrarão o jejum na tenda que compartilham com outros deslocados. Isto se encontrarem algo para comer.
"Não temos nada", conta seu marido, Mohamed Yaser Rayhan, relembrando a "atmosfera maravilhosa" de "vida, alegria, espiritualidade, decorações" do ramadã antes da guerra.
- Jejuar ou não jejuar diante das circunstâncias atuais? -
Relatos sobre moradores de Gaza comendo folhas ou cavalos para sobreviver impressionam Saif Hindawi, um jordaniano de 44 anos.
"Na Jordânia os preços são altos, mas sempre é possível comprar produtos no mercado", diz ele da capital, Amã. Mas em Gaza "não se encontram alimentos básicos. Usam ração animal para fazer pão", detalha.
No sul do Líbano, a professora aposentada Mariam Awada conta que não conseguirá jejuar devido ao estresse. "Conheço minhas limitações, minha condição física e psicológica", afirmou à AFP.
Desde o início dos confrontos, a fronteira entre Israel e Líbano é cenário de trocas de tiros quase diárias entre o movimento islamista Hezbollah, aliado do Hamas, contra o Exército israelense. Dezenas de milhares de habitantes tiveram que fugir.
A guerra iniciada em 7 de outubro pelo Hamas deixou pelo menos 1.160 mortos, a maioria civis, no sul de Israel, segundo uma contagem da AFP com base em dados oficiais israelenses.
A resposta de Israel causou a morte de ao menos 30.878 pessoas em Gaza, majoritariamente mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde do movimento islamista.
No Iêmen, os rebeldes huthis pró-Irã multiplicam os ataques contra navios no Mar Vermelho e no Golfo de Áden, que acusam de estarem ligados a Israel.
"Quando os ataques começaram, o negócio entrou em colapso. Se a situação continuar, a única opção será fechar", conta Mohamad Ali, gerente de um restaurante em Hodeida, cujo porto é alvo de ataques retaliatórios dos Estados Unidos.
- Quebrar o jejum? -
A crise no Mar Vermelho também é motivo de preocupação na Somália, onde um comerciante de Mogadíscio teme que a alta dos preços "afete as pessoas durante o Ramadã".
Mais perto de Gaza, os muçulmanos em Jerusalém Oriental, uma área ocupada por Israel desde 1967, temem a possibilidade de incidentes violentos na Esplanada das Mesquitas, onde dezenas de milhares de fiéis rezam durante o Ramadã.
O governo israelense garantiu que permitirá que muçulmanos rezem normalmente como nos "anos anteriores", mas a declaração não tranquiliza Ahlam Shaheen, que trabalha em um centro comunitário perto da mesquita de Al Aqsa. "Estamos exaustos desta guerra", afirmou ele, que já presenciou confrontos entre jovens palestinos e a polícia israelense na esplanada durante o Ramadã em 2021.
No Cairo, uma das cidades mais festivas do mundo muçulmano durante este mês sagrado do Islã, uma estudante de Gaza diz que será muito difícil jejuar.
"Meus irmãos não conseguem comer nem uma vez por dia. Deveríamos quebrar o jejum e comer 'suhur' (última refeição antes do amanhecer) como se tudo estivesse normal?", questiona a jovem, sob condição de anonimato por razões de segurança, uma vez que a sua família ainda se encontra em Gaza.
R.Lagomarsino--PV