Gisèle Pelicot, de vítima a símbolo da luta contra a submissão química
Com seu cabelo ruivo marcante, Gisèle Pelicot se tornou o símbolo da luta contra a submissão química na França e no mundo, graças às suas firmes intervenções durante o julgamento de mais de 50 homens acusados de tê-la estuprado.
Esta mulher de 71 anos, que foi drogada pelo marido durante uma década para que fosse estuprada por dezenas de homens, é a principal vítima do midiático julgamento iniciado em 2 de setembro em Avignon, no sul da França.
Mas, desde o primeiro dia, Gisèle decidiu não se esconder, rejeitando até mesmo que o julgamento fosse realizado a portas fechadas — algo a que as vítimas de estupro têm direito —, para que "a vergonha mude de lado", disse seu advogado, Stéphane Babonneau.
Um lema que foi adotado por milhares de pessoas que se manifestaram na França no fim de semana, "em apoio a Gisèle e a todas as vítimas de estupro", e que atravessou fronteiras através das redes sociais.
"Dedico [esta luta] a todas as pessoas, mulheres e homens, em todo o mundo que são vítimas de violência sexual. A todas elas, quero dizer hoje: 'Olhem ao seu redor, vocês não estão sozinhos'", disse ela nesta segunda-feira (16).
Embora ainda seja conhecida como Gisèle Pelicot, esta mulher já se divorciou de seu parceiro por meio século e estuprador Dominique Pelicot e se afastou de Mazan, uma cidade no sul da França onde os acusados a trataram como "um pedaço de carne", como ela disse perante o tribunal.
Mas a jovem tímida que sonhava em ser cabeleireira e acabou estudando datilografia, a mãe dedicada que sempre colocou o marido em primeiro lugar, e agora a aposentada que gosta de passear e cantar no coral está disposta a lutar.
- "Uma mulher extraordinária" -
"Vamos ter que lutar até o fim, porque este julgamento vai durar quatro meses", disse no dia 5 de setembro em uma aparição pública diante dos microfones e câmeras de todo o mundo após dar seu testemunho no tribunal.
Filha de um militar de carreira, Gisèle nasceu em Villingen, no sudoeste da Alemanha, em 7 de dezembro de 1952 e chegou à França com cinco anos. Sua mãe morreu de câncer aos 35, quando Gisèle tinha apenas nove anos.
"Mas na minha cabeça eu já tinha 15. Já era uma mocinha", lembra, relatando uma vida com "pouco amor". Quando seu irmão Michel morreu de infarto em 1971, com 43 anos, ela ainda não tinha chegado aos 20.
Mas Gisèle não costumava expressar suas emoções. "Na família, escondemos nossas lágrimas e compartilhamos nossas risadas", explica aos seus advogados.
Em 1971, conheceu Dominique Pelicot, um jovem que dirigia um Citröen 2CV vermelho e que acabaria se tornando seu marido... e seu algoz.
Após vários anos de trabalho temporário, ela entrou para o grupo elétrico francês EDF, uma empresa onde desenvolveu toda sua carreira e acabou como responsável em um departamento de logística de centrais nucleares.
Paralelamente, vivia uma vida simples com sua família, seus três filhos e sete netos, e fazia um pouco de ginástica, primeiro na região de Paris e depois em Mazan.
Mas em 2 de novembro de 2020, quando soube dos fatos após seu marido ter sido preso por filmar por baixo das saias das mulheres em um centro comercial, seu mundo "desabou".
A mulher que decidiu abrir as portas do tribunal "nunca procurou ser um modelo a seguir", segundo seu outro advogado, Antoine Camus.
"Ela simplesmente não quer que tudo isso seja em vão", "quer que as audiências mostrem a crueldade e o horror do estupro", destaca, antes de completar: Gisèle é “uma personalidade da qual você não se esquece, uma mulher extraordinária”.
A.Rispoli--PV