Museu belga dedicado à África estuda origem de suas coleções
O principal museu belga dedicado à África lançou uma investigação sobre a origem de suas numerosas coleções — muitas delas saqueadas durante o período colonial —, como parte de um processo de restituição.
"Queremos conhecer melhor a origem dos objetos, e ver se podemos estabelecer os que foram obtidos por roubo, violência ou por manipulação", disse à AFP Bart Ouvry, diretor do enorme Museu Real da África Central, localizado em Tervuren, nos arredores de Bruxelas.
Em fevereiro de 2022, foi entregue às autoridades da República Democrática do Congo (RDC), ex-colônia belga, um inventário de mais de 80 mil objetos relacionados à cultura do país, em uma lista que inclui esculturas, máscaras, utensílios e instrumentos musicais.
Pouco depois, a Bélgica adotou uma lei que regulamenta a restituição de bens saqueados entre 1885 e 1960, período durante o qual o Congo, território atual da RDC, foi propriedade pessoal do rei belga Leopoldo II e se tornou colônia até sua independência.
Segundo Thomas Dermine, secretário de Estado belga responsável pelo caso, até o momento a RDC não apresentou qualquer pedido de restituição.
Posteriormente, é necessário criar uma comissão mista de especialistas belgas e congoleses para decidir se a aquisição dos objetos foi legítima ou não.
A famosa estátua do chefe tribal Ne Kuko — parte de uma exposição intitulada "Rethinking Collections" ("Repensando coleções", em tradução livre), que começa nesta quinta-feira (18) — é um dos símbolos do saque colonial.
"A diáspora congolesa converteu esta estátua em um símbolo da necessidade de restituição", comentou Agnès Lacaille, uma das curadoras da mostra.
O comerciante belga Alexandre Delcommune apreendeu a estátua durante um ataque lançado contra os chefes de Boma, uma região do oeste do Congo, em 1878, para puni-los por terem introduzido um aumento de impostos em suas rotas comerciais.
O historiador Didier Gondola lembrou que naquela época os objetos eram "recolhidos" por soldados, oficiais e até missionários.
- "Criou-se um vazio" -
Os pedidos de restituição de objetos saqueados da África remontam à década de 1960, quando o ditador Mobutu Sese Seko fez reivindicações por uma exposição nos Estados Unidos com artefatos congoleses procedentes de coleções belgas.
No final da década seguinte, a Bélgica já havia devolvido ao país, então Zaire, 114 objetos e peças de menor importância.
Segundo Gondola, "no tempo de Mobutu, por exemplo, os europeus diziam: 'Estamos fazendo-lhes um favor porque estamos preservando seus objetos", embora defenda que esta visão deve ser superada.
"As coisas mudaram. Em Kinshasa há um museu muito bonito, tão moderno quanto este [o da Bélgica], e onde ainda há espaço para que estes objetos sejam reintegrados ao patrimônio nacional", afirmou.
Logo, "esse medo não deveria servir como justificativa para demorarmos a empreender uma restituição rápida e efetiva", acrescentou o historiador.
Em 2022, antes da votação da lei de restituição, uma máscara gigante "kakuungu", usada para os ritos de iniciação do povo Suku, foi emprestada por "período ilimitado" ao Museu Nacional da República Democrática do Congo.
O próprio rei belga, Filipe I, apresentou a máscara durante uma visita à capital congolesa, na qual manifestou seu "profundo pesar" pelo período colonial.
Sarah Van Beurden, outra curadora da exposição em Bruxelas, destacou que às vezes o objeto em questão está relacionado ao patrimônio cultural imaterial, como determinados instrumentos musicais.
Van Beurden mencionou um xilofone "manza", saqueado entre 1911 e 1912 da província congolesa de Lower Uele.
"Quando eliminamos um objeto como este xilofone, eliminamos a possibilidade de que uma comunidade mantenha costumes culturais", explicou ela.
"Podemos devolver um objeto, mas não podemos restaurar o que essa comunidade perdeu, criou-se um vazio", completou a especialista.
H.Lagomarsino--PV