A vida sem praia de um bairro de trabalhadores em Cancún
Em Cancún, o coração do Caribe mexicano, onde milhões desfrutam do mar azul-turquesa e dos luxuosos serviços turísticos, Yazmin e Rosalina trabalham duro para que, com sorte, suas famílias possam visitar a praia algumas vezes por ano.
Ambas moram em Villas Otoch Paraíso, um condomínio localizado a cerca de 30 quilômetros do Boulevard Kukulkán, a luxuosa zona hoteleira que move esta cidade fundada há 53 anos.
No ano passado, o aeroporto de Cancún recebeu 32,7 milhões de visitantes - 63% estrangeiros, segundo dados oficiais -, para visitar este ou outros resorts vizinhos, como Playa del Carmen ou Tulum.
Dificilmente os turistas se animam a visitar Villas Otoch, o condomínio fundado em 2007, com cerca de 40.000 habitantes. Múltiplas notas de imprensa na internet reforçam o estigma que carrega como "o bairro mais perigoso de Cancún".
Yazmin Terán lembra o entusiasmo com que ela e sua família chegaram há 15 anos, vindos de Oaxaca (sul), animados por um trabalho "melhor remunerado" no próspero setor turístico para seu marido.
"Você vê na televisão as praias, os lugares turísticos, a zona hoteleira e diz 'uau!', mas você chega aqui em Cancún e descobre que nem tudo é assim. O bonito está lá na zona hoteleira", diz Terán, uma professora de 41 anos.
"Nós que vivemos aqui e que trabalhamos quase não temos tempo para ir à praia, ao mar, para desfrutar", acrescenta ela, cujas escapadas para a praia ocorrem "umas cinco vezes por ano".
Outras famílias trabalhadoras precisam se organizar para coincidir com seus descansos e, se não possuem carro, se virar com a escassa oferta de transporte.
Além disso, embora as praias sejam públicas, na prática o acesso é restrito aos hóspedes dos hotéis.
- Passeio caro -
"Ir à praia também gera gastos (...), é preciso comprar lá ou levar algo para comer", aponta Terán, líder comunitária que organiza atividades solidárias para apoiar crianças e idosos.
Num cálculo rápido, ela estima que uma família precisa de cerca de 500 pesos (154 reais) para passar um dia na praia na zona hoteleira. Um valor alto considerando a renda média de Quintana Roo - estado onde está Cancún - de 8.000 pesos (2.433 mil reais) por mês, segundo o portal especializado Talent.com.
Na alta temporada, uma única noite em um hotel cinco estrelas do Boulevard Kukulkán pode custar 2.000 dólares (10.291 mil reais).
Os preços baixos das casas em Villas Otoch foram um ímã para trabalhadores do empobrecido sul mexicano - vindos de estados como Chiapas ou Tabasco - e de países como Guatemala ou Cuba, que se empregaram na construção ou em serviços ligados ao turismo.
Vistos do alto, os blocos simétricos que somam 14.000 moradias, idênticas e de apenas 35 metros quadrados, projetam ordem.
Mas ao nível do solo, os espaços estreitos e a deterioração urbana saltam à vista, em meio a um calor sufocante.
Problemas como a violência doméstica, mas sobretudo a presença de traficantes de drogas, que atendem à demanda da zona turística, não demoraram a aparecer.
Segundo autoridades e meios de comunicação locais, a violência aumentou desde 2018 devido ao aumento do fluxo ilícito de armas e disputas entre os cartéis Jalisco Nova Geração e Sinaloa, os mais poderosos do país.
- "A última fronteira" -
Enquanto os pais saem para trabalhar, muitas crianças ficam sozinhas em casa ou brincando nas ruas. Cerca de 40% não frequentam a escola, comenta Sofia Ochoa, gestora cultural que trabalha no bairro desde 2022.
Alguns são atraídos por gangues da área. Experiências como tiroteios ou abuso sexual são comuns entre os menores, aponta Ochoa.
"Muitíssimas [crianças] não conhecem a praia", disse ela, "e a avenida próxima López Portillo, que conecta com o resto da cidade, lhes parece a última fronteira".
Ochoa e suas vizinhas, como Terán, se organizam para resgatar espaços públicos de Villas Otoch, como parques abandonados, frequentemente dominados pela criminalidade.
Para Rosalina Gómez, de 36 anos, que migrou de Chiapas fugindo da pobreza e de um pai violento, o principal contato com o esplendor turístico de Cancún é seu trabalho como funcionária de limpeza do aeroporto.
"Às vezes os turistas te dão gorjeta, te presenteiam com roupas, refrigerante ou te agradecem porque o banheiro está limpo. Isso é o que mais gosto", afirmou.
Mãe de Perla del Mar, uma menina de 15 anos com paralisia cerebral, ela visitou a praia pela última vez há quatro anos. "Não me sinto à vontade em ir me divertir na praia sabendo que tenho uma filha deitada em uma cama", desabafou.
M.Romero--PV