Com água no pescoço, empresas gaúchas tentam resistir
As piores cheias da história do Rio Grande do Sul deixaram uma economia pujante nas cordas, com campos agrícolas sem serventia e fábricas paralisadas. Enquanto ainda fazem as contas dos prejuízos, seus atores buscam saídas e pedem mais ajuda.
"Ninguém teve tantas perdas como está tendo agora", resumiu, nesta semana, o presidente da Federação de Agricultores do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira.
"Temos muita destruição, de um modo muito geral, principalmente nas regiões centrais" do estado, acrescentou, durante coletiva de imprensa.
Com um dos maiores PIBs do Brasil, o Rio Grande do Sul sofre há um mês com os efeitos de um desastre climático, que deixou cerca de 170 mortos, dezenas de desaparecidos e mais de 600.000 desalojados, um fenômeno vinculado por especialistas ao aquecimento global.
A região tem atividade econômica baseada na agropecuária, dedicada em primeiro lugar ao cultivo da soja. A atividade industrial é orientada, em grande medida, aos setores de carnes e manufatureiro.
Nove em cada dez fábricas foram afetadas, enquanto uma pesquisa preliminar, publicada pela Farsul, estima que grandes proprietários perderam até 25 milhões de reais.
O balanço nesta região de 11 milhões de habitantes ainda não acabou.
"Cada vez que andamos um pouco mais pelo nosso estado, mais impressionados ficamos com o nível do estrago", diz Pereira.
Estas são algumas das soluções (e dos riscos) que os empresários antecipam.
- O mais urgente: restabelecer o transporte -
A queda de pontes e o estado precário de muitas estradas por causa das cheias dos rios dificultam extremamente o transporte de mercadorias, o que impede às empresas de receber matéria-prima e escoar seus produtos.
Além dos danos sofridos pela água em suas instalações, isto impede a retomada da produção.
"O mais urgente é restabelecer a mobilidade", afirma à AFP Angelo Fontana, presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari, região muito afetada pelas cheias a noroeste de Porto Alegre.
É o primeiro passo para "retomar a atividade das empresas porque são elas que geram emprego e renda na região", afirma Fontana, sócio da empresa homônima de preparados químicos para produtos de limpeza e higiene na cidade de Encantado, às margens do rio Taquari.
Com 90 anos de antiguidade e 250 funcionários, esta empresa ainda não retomou sua produção: vários de seus depósitos gigantescos de produtos químicos, localizados no exterior da fábrica ficaram retorcidos como torres de Pisa pela força das águas.
- O indispensável: ajuda financeira -
O governo federal anunciou, até agora, entre outras medidas, uma linha de financiamento de 15 bilhões de reais com juros baixos e a negociação de dívidas de créditos rurais.
O apoio é considerado insuficiente por Pereira. O Grande do Sul precisa de "medidas mais consistentes", "prazos de reembolso mais longos, de até 20 anos", explica à AFP.
As ajudas são "boas, mas precisamos de mais créditos" para produtores, corrobora Carlos Joel da Silva, presidente da Federação de Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul, que representa mais de 700.000 trabalhadores da agricultura familiar.
Apenas tratar as terras agrícolas para que voltem a ser férteis é extremamente oneroso, diz.
- Planos de contingência para o futuro -
A região sofreu quatro eventos climáticos extremos no último ano e por isso os empresários também pedem o desenvolvimento de planos de contingência.
A empresa Fontana elaborou um depois dos últimos, em 2023.
Diante do alerta de novas chuvas torrenciais, "fizemos a retirada dos equipamentos aqui da empresa e de componentes eletrônicos das mossas máquinas que iriam ficar embaixo d'água", explica Ricardo Fontana, diretor da empresa. "O prejuízo deve ser menor desta vez", acrescenta.
- Risco de êxodo de trabalhadores -
Outro desafio é evitar o "êxodo de trabalhadores", explica Angelo Fontana.
Quase 10% dos funcionários da empresa pediram demissão após a catástrofe.
"Devemos dar a eles uma solução para a moradia, estabilidade", diz.
Por fim, não pode ser excluída a realocação ou inclusive o abandono da atividade.
Para Carlos Joel, para os pequenos produtores, que tinham acabado de se recuperar de vários anos de seca, este novo golpe poderia forçá-los a "buscar novas terras".
Alexandre Becker, produtor leiteiro que perdeu boa parte ração para suas vacas, explica que por enquanto vai se "desembaraçar" de parte do gado.
"Se a passagem do inverno também não andar bem, não se descarta a possibilidade de parar com a atividade", diz, ao lado de seu trator em um campo em Travesseiro, no Vale do Taquari.
A.Saggese--PV