Líder do Exército não aceita negociar em 6º dia de combates no Sudão
O líder do Exército sudanês, Abdel Fatah al Burhan, descartou nesta quinta-feira (20) a negociação com o líder paramilitar, no sexto dia de combates que já deixaram centenas de mortos neste empobrecido país da África Ocidental.
Os confrontos eclodiram no último sábado (15) entre as forças leais ao general Burhan e as de seu ex-número dois, Mohamed Hamdan Daglo, chefe das Forças de Apoio Rápido (FAR).
"Não acredito que haja espaço para negociações políticas com as Forças de Apoio Rápido", disse o general Burhan à emissora Al-Jazeera, em seu primeiro pronunciamento desde o início do levante.
Se o general Daglo não abandonar sua tentativa de "querer controlar o país", será "esmagado militarmente", alertou o líder do Exército em entrevista por telefone ao canal catari.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os confrontos deixaram "mais de 330 mortos e 3.200 feridos".
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu, nesta quinta (20), um cessar-fogo "de ao menos três dias" no Sudão por ocasião da celebração do Eid al Fitr, que marca o fim do Ramadã, o mês sagrado de jejum para os muçulmanos.
Guterres falou por telefone com o general Burhan, que também recebeu ligações dos presidentes do Sudão do Sul e da Turquia, do primeiro-ministro etíope e dos chefes da diplomacia dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Catar, informaram os militares sudaneses.
Os Estados Unidos também anunciaram que enviaram reforços militares para a região para auxiliar na eventual retirada de seus diplomatas que ainda estão em Cartum.
- "Cheiro de morte" -
Até o momento, milhares de pessoas fugiram de Cartum para escapar de bombardeios, tiroteios e confrontos.
"Em alguns bairros do centro, o cheiro é de morte e cadáveres", descreveu um morador da capital, enquanto se dirigia para uma área mais tranquila.
"Às quatro e meia da manhã, fomos acordados pelo barulho dos ataques aéreos. Fechamos todas as portas e janelas com medo de uma bala perdida", disse à AFP outro morador de Cartum, Nazek Abdallah, de 38 anos.
Muitos moradores não tiveram escolha a não ser fugir a pé, já que o preço da gasolina disparou: um litro de combustível agora custa US$ 10 (R$ 50,80), em um dos países mais pobres do mundo.
Além disso, tiveram de abrir caminho entre os cadáveres caídos na beira das ruas, os tanques e caminhões carbonizados e evitar as áreas mais perigosas da cidade, de onde subiam espessas colunas de fumaça preta.
"As crianças estão abrigadas em escolas e creches, enquanto os combates se intensificam ao seu redor, e os hospitais infantis tiveram que ser evacuados, com os bombardeios próximos", alertou o UNICEF.
De acordo com a Agência da ONU para Refugiados presente na fronteira, entre 10.000 e 20.000 sudaneses fugiram para o país vizinho Chade.
"A maioria das pessoas que chegam são mulheres e crianças", disse a organização em um comunicado divulgado nesta quinta-feira.
- Tréguas violadas -
Desde que a luta pelo poder, há semanas latente entre os dois generais, degenerou em uma batalha campal no sábado, a confusão é total para os 45 milhões de sudaneses. Ambos os lados continuam prometendo tréguas que nunca são respeitadas.
Nas ruas cobertas de entulho, é impossível saber quem controla as principais instituições do país.
A Força Aérea, que tem como alvo as bases e as posições das FAR espalhadas por zonas povoadas de Cartum, não hesita em lançar bombas, às vezes sobre hospitais, segundo médicos.
Em cinco dias, "70% dos 74 hospitais de Cartum e das áreas afetadas pelos combates ficaram fora de serviço", segundo um sindicato de médicos.
Várias organizações humanitárias tiveram de suspender sua ajuda, crucial em um país onde mais de uma em cada três pessoas passa fome em tempos normais.
Em meio a esse caos, o Egito conseguiu, graças à mediação dos Emirados Árabes Unidos, retirar 177 de seus soldados que estavam em uma base aérea do norte do Sudão, segundo os dois países.
Outros 27 soldados egípcios, capturados pelos paramilitares, foram entregues à Cruz Vermelha sudanesa e esperam sua repatriação, disse o exército do Egito.
- Violência sexual e saques -
Três funcionários do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU morreram em Darfur. As Nações Unidas também denunciaram "saques" de seus estoques e "ataques" contra seu pessoal, inclusive sexuais.
A explosão de violência do sábado resulta das profundas divisões entre o Exército e as FAR, criadas em 2013 pelo líder autocrático deposto Omar al Bashir.
Burhan e Daglo derrubaram Al Bashir em abril de 2019, após protestos multitudinários contra suas três décadas de governo.
Em outubro de 2021, os dois lideraram um golpe contra o governo civil instalado após a saída de Al Bashir e puseram fim a uma transição apoiada pela comunidade internacional.
F.Dodaro--PV