A difícil integração dos refugiados ucranianos em uma Hungria próxima da Rússia
O governo da Hungria gosta de se gabar de sua hospitalidade para com os refugiados ucranianos, mas a maioria só está de passagem. Contudo, para os que ficam, a integração em um país próximo de Moscou é um grande desafio.
Neste sábado (29), o papa Francisco se reunirá com os refugiados ucranianos em Budapeste. Antes de empreender sua viagem, ele apelou para que "não nos esqueçamos de nossos irmãos e irmãs ucranianos".
Desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia, mais de um milhão de ucranianos já pisaram em solo húngaro, mas apenas 35.000 solicitaram o status de "proteção temporária", segundo dados da Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
É um número per capita bastante inferior ao de outros países vizinhos da Ucrânia, como Polônia e Romênia.
A posição ambígua do primeiro-ministro Viktor Orbán sobre o conflito não faz com que os refugiados ucranianos queiram permanecer na Hungria.
O líder nacionalista, que se recusa a mandar armas a Kiev, não fez nenhuma visita à Ucrânia, ao contrário de outros líderes europeus, e mantém vínculos estreitos com o Kremlin.
"A propaganda do governo húngaro é percebida pelos ucranianos como pró-Rússia", disse à AFP uma pessoa que trabalha em projetos de cooperação, que pediu anonimato.
"Sua vida cotidiana não é afetada, mas isso gera mal-estar", assinalou.
Um terço dos húngaros culpa tanto Kiev quanto Moscou pela guerra, de acordo com uma pesquisa recente, uma percepção alimentada pelo discurso dos meios de comunicação favoráveis a Orbán.
Budapeste tampouco deixou para trás uma antiga disputa vinculada com a assimilação linguística da minoria húngara que vive no oeste da Ucrânia, que conta com aproximadamente 100.000 membros.
"Enquanto acolhemos crianças ucranianas em nossas escolas", instituições húngaras na Ucrânia "correm o risco de fechar" devido à política de Kiev, acusou, no mês passado, o ministro de Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto.
- Hostilidade para com os imigrantes -
Diante dessas tensões, o governo rejeitou os pedidos de financiamento para uma escola de língua ucraniana em Budapeste, denunciou Viktoria Petrovszka, uma ucraniana responsável do grupo de ajuda Unity.
Por sua vez, o Ministério do Interior da Hungria não respondeu aos pedidos da AFP sobre essa questão.
O Unity, que organizava eventos culturais antes do conflito, oferece agora conselhos, ofertas de emprego e cursos para facilitar os trâmites administrativos dos recém-chegados.
Por causa da dificuldade do idioma húngaro, com suas 44 letras e 35 terminações verbais, as crianças "preferem estudar em casa ou pela internet", explica Viktoria.
Dina Biktagirova, que fugiu de Kiev com seus quatro filhos, acompanha as aulas de húngaro com assiduidade, pois "não se sabe quanto tempo vai durar a guerra e quando poderemos voltar".
Aprender o idioma é um esforço necessário para vencer os obstáculos.
Segundo Bohdana Kokhanyuk, que tem um centro de acolhimento na capital, "quando as mães solo que não falam húngaro fazem ligações para encontrar um apartamento, os proprietários normalmente desligam o telefone".
"A sociedade húngara não é realmente acolhedora", afirma a jovem de 28 anos, oriunda da Ucrânia.
A estrutura gerida por ela, Vitae, deverá fechar as portas após um corte dos recursos fornecidos através da Cruz Vermelha local. Seus 60 moradores terão que se mudar para uma cidade mais barata, a uma hora de distância da capital Budapeste.
Mais de um ano depois da invasão russa, o acolhimento espontâneo deve se transformar em apoio de longo prazo, através de auxílio-moradia, uma escolarização duradoura e acompanhamento psicológico, considerou Aniko Bakonyi, do Comitê Húngaro de Helsinque (HHC, na sigla em inglês).
"Mas os atores não estatais, como municípios e gestores de estruturas de acolhimento, têm que dar um jeito, sem apoio do governo para que os ucranianos refaçam suas vidas", acrescentou.
Sob as políticas de Viktor Orbán, que são fortemente anti-imigração, a Hungria está erguendo cercas em suas fronteiras e restringindo a apresentação de pedidos de asilo em suas embaixadas no exterior.
No ano passado, apenas 18 pessoas obtiveram o status de refugiado, um número bastante inferior ao fluxo migratório sem precedentes que se observa em outras partes da UE desde 2015.
I.Saccomanno--PV