Combates prosseguem apesar da trégua no Sudão, à beira da catástrofe humanitária
Bombardeios, tiros e explosões voltaram a sacudir o Sudão nesta segunda-feira (1), apesar da nova trégua, anunciada pelo exército e por paramilitares, deixando a situação humanitária do país africano à beira do colapso, alertou a ONU.
"Aviões de combates sobrevoam" a capital, Cartum, com cinco milhões de habitantes, e em vários bairros são ouvidos explosões e tiros, disseram testemunhas à AFP.
Centenas de pessoas morreram desde que teve início, em 15 de abril, uma guerra pelo poder entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR), lideradas pelo general Mohamed Hamdan Daglo.
Desde o início do conflito, foram anunciadas várias tréguas que foram sistematicamente violadas. Segundo especialistas, as tréguas asseguram a manutenção de corredores seguros para a evacuação de estrangeiros e que as negociações, que ocorrem no exterior, continuam.
Mas até agora os dois generais têm se recusado a negociar diretamente.
"A escala e a rapidez com que os eventos se desenvolvem no Sudão (são) sem precedentes", alertou no domingo a ONU, que enviou seu encarregado de assuntos humanitários, Martin Griffiths, à região.
"Estou a caminho (...) para estudar como podemos dar ajuda imediata" aos moradores, declarou Griffiths, que assegurou que "a situação humanitária está chegando ao limite".
O saque maciço a escritórios e armazéns humanitários "esgotou a maior parte de nossos estoques", acrescentou. "Buscamos meios rápidos para entregar e distribuir" suprimentos adicionais, explicou o alto funcionário da ONU em um comunicado.
Neste contexto, o Programa Mundial de Alimentos levantou "imediatamente" a suspensão de suas atividades, que tinha sido determinada após a morte de três funcionários. Esta ajuda é vital em um país onde um terço de seus habitantes sofriam com a fome antes da guerra.
- "Catástrofe" -
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a crise sanitária no Sudão resultou em uma "catástrofe".
Depois de 20 anos de embargo internacional, "O sistema de saúde está confrontado a múltiplas crises, com infraestruturas extremamente frágeis", explicou à AFP Ahmed Al-Mandhari, diretor regional da OMS.
Até agora, "apenas 16% dos hospitais de Cartum operam com capacidade máxima" e outros foram bombardeados, ocupados por beligerantes ou carecem de pessoal ou suprimentos.
Até agora, os combates deixaram 528 mortos e 4.599 feridos, segundo números oficiais, considerados muito abaixo do balanço real.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha conseguiu introduzir, neste domingo, a primeira carga de ajuda desde o início do conflito, um total de oito toneladas de material, que podem ajudar a tratar "1.500 feridos".
Segundo a ONU, 75 mil pessoas tiveram que fugir para outras regiões do país e dezenas de milhares para países vizinhos, como o Chade, a República Centro-africana e o Sudão do Sul.
No total, mais de 800 mil pessoas poderiam ter que fugir dos combates neste país de 45 milhões de habitantes, segundo estimativas do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur).
"Esperamos não chegar a isso, mas se a violência não chegar ao fim, vamos ver mais pessoas obrigadas a fugir do Sudão em busca de segurança", disse Filippo Grandi em sua conta no Twitter.
Em Cartum, os habitantes que não conseguiram fugir, sobrevivem em meio à falta de comida, água e eletricidade.
- "Esforços tímidos" -
As autoridades do estado do Nilo Branco, no sul do Sudão, anunciaram que nos "últimos dias" chegaram 700 mil deslocados.
A Liga Árabe se reunia nesta segunda, no Egito, para "discutir sobre o Sudão", depois que os Emirados Árabes Unidos, aliados do general Daglo, anunciaram ter feito contato com o chefe do exército.
O general Burhan enviou um emissário no domingo para a Arábia Saudita e Riade pediu uma reunião da Organização de Cooperação Islâmica na quarta-feira.
A ONU está particularmente preocupada com a situação no estado de Darfur do Oeste, onde cerca de 100 pessoas morreram nos combates dos quais participaram civis, segundo a organização.
Esta região sofreu uma sangrenta guerra civil, que começou em 2003 entre as forças do ditador Omar al Bashir e minorias étnicas.
Vários países retiraram seus cidadãos do Sudão e estas operações continuam.
Este "êxodo reflete uma realidade bastante sombria", pois os Estados Unidos e outras potências têm feito "esforços tímidos e tardios para deter os combates e ajudar os sudaneses", disse Alex de Waal, especialista no Sudão.
Apesar da rivalidade atual entre Burhan e Daglo, ambos generais se aliaram em um golpe de Estado em 2021 para marginalizar os civis do governo que assumiu após a deposição de al Bashir.
Pouco depois, começaram suas divergências por seu desacordo sobre a integração dos paramilitares ao exército, que levou ao conflito que agora castiga o país.
C.Conti--PV