Pallade Veneta - Documentário 'Patrullaje' denuncia desmatamento na Nicarágua pela agropecuária

Documentário 'Patrullaje' denuncia desmatamento na Nicarágua pela agropecuária


Documentário 'Patrullaje' denuncia desmatamento na Nicarágua pela agropecuária
Documentário 'Patrullaje' denuncia desmatamento na Nicarágua pela agropecuária / foto: INTI OCON - AFP/Arquivos

Cercado por árvores caídas e vacas magras, o agricultor ilegal Chacalin examina uma clareira no fundo de uma das maiores florestas tropicais protegidas remanescentes da Nicarágua.

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"Quando cheguei aqui, descobri que tudo era reserva. (Disse a mim mesmo) vou pegar meu 'tuco' de terra porque não compro, não pago. Então estamos fazendo assim", disse ele diante da câmera, com a cabeça baixa. "Se me tirarem daqui podem levar minha terra, mas não perco dinheiro".

Desde 2016 e por vários anos, os cineastas Camilo de Castro e Brad Allgood visitaram a Reserva Biológica Indio Maíz para fazer um documentário sobre as ameaças de desmatamento e violações dos direitos indígenas.

A floresta tropical, de aproximadamente 2.600 quilômetros quadrados que se estendem até a Costa Rica, é um refúgio de biodiversidade e lar sagrado do povo indígena rama. Mas, apesar das proteções legais, tem visto a chegada de mais e mais colonos.

Após a eclosão dos protestos contra o governo de Daniel Ortega em 2018, que foram violentamente reprimidos com um saldo de mais de 350 mortos, segundo a ONU, De Castro teve que fugir de seu país.

Desde então, a situação em Indio Maíz (sudeste) só piorou, e a repressão cada vez mais intensa dos opositores tornou muito perigoso o retorno dos cineastas.

De Castro foi um dos 94 dissidentes destituídos de sua cidadania pelas autoridades nicaraguenses em fevereiro, junto com sua mãe, a escritora Gioconda Belli, e agora vive exilado na Costa Rica.

Graças às pessoas dentro do país que enviaram atualizações e fotos por meio do aplicativo criptografado Signal, os cineastas estrearam "Patrullaje" na sexta-feira no festival de documentários dos Estados Unidos "Mountainfilm", em Telluride, Colorado, na esperança de chamar a atenção do mundo para a situação.

"Este é provavelmente o último documentário independente lançado sobre a Nicarágua em muito tempo", disse De Castro.

"Basicamente, o governo ergueu um muro em todo o país para que as pessoas de dentro não possam ouvir nada vindo de fora e não possam compartilhar informações sobre o que realmente está acontecendo no país", denunciou.

- "Colonização" -

O documentário acompanha os indígenas rama e os nativos afrodescendentes enquanto patrulham suas terras em canoas e a pé pela floresta densa e traiçoeira, desviando da fúria dos rios e lidando com carrapatos e onças.

Ele narra seus encontros com grupos cada vez maiores de colonos ilegais recém-chegados. Muitos trabalham para agricultores ricos que vivem fora da reserva, pagando-os para cortar e limpar a terra antes que os animais cheguem.

Durante as filmagens, uma patrulha indígena encontra uma grande fazenda de gado aninhada no meio da reserva e a denuncia à polícia e a funcionários do governo da Nicarágua.

A resposta que recebem é que devem pagar se quiserem que a polícia investigue, enquanto uma reunião com um ministro nunca se concretiza.

Allgood acredita que, ao contrário de lugares como a extensa floresta amazônica, Indio Maíz é uma "área pequena" onde "não seria difícil colocar barreiras para evitar que as pessoas entrem".

Mas o governo está "fazendo vista grossa: está à vista, mas ninguém está prestando atenção", disse ele.

Enquanto isso, o conflito pela terra se transformou em violência, com colonos matando indígenas, muitos dos quais permanecem impunes.

"Há muito racismo envolvido", afirmou De Castro. "Eu diria que estamos filmando a última etapa dos 500 anos de colonização da Nicarágua".

- "Respeitar a lei" -

Segundo Christopher Jordan, diretor para a América Latina da organização ambientalista Re:wild, 90% do desmatamento na região se deve à pecuária ilegal.

"A corrupção do governo lhes permite roubar e desmatar a terra sem consequências", denuncia ele no filme.

A carne bovina é uma das maiores exportações da empobrecida Nicarágua, o sexto maior fornecedor dos Estados Unidos.

Uma lei dos EUA que exigia que a carne bovina tivesse um rótulo de "país de origem" foi removida em 2015, o que significa que os consumidores raramente podem dizer se seus hambúrgueres ou bifes vêm de animais criados em florestas indígenas.

Embora muitas empresas importadoras afirmem rastrear a origem de sua carne até a fazenda, De Castro e Allgood dizem que isso não é possível na Nicarágua, onde o processo de rastreabilidade é muito opaco.

"Falamos de petróleo, falamos de mineração... mas a indústria alimentícia ainda não está recebendo atenção suficiente", disse De Castro.

"O que queremos é que o consumidor seja mais cauteloso, tire suas dúvidas ao comprar carne bovina no supermercado", pediu.

Quanto ao governo da Nicarágua? "O que precisamos é de vontade política, para que realmente deem o exemplo a alguns desses agricultores ilegais e os coloquem na cadeia", afirmou.

"Assim que colocarem alguns deles na prisão, as pessoas vão pensar duas vezes antes de entrar. É isso que queremos. Queremos que o governo cumpra a lei", acrescentou De Castro.

B.Fortunato--PV