Corte Constitucional de Moçambique confirma vitória do partido governista em eleições questionadas
O Conselho Constitucional de Moçambique confirmou, nesta segunda-feira (23), a vitória eleitoral da Frelimo, no poder há meio século, nas eleições de outubro contestadas por protestos de rua que deixaram mais de cem pessoas mortas.
O candidato presidencial do partido governista, Daniel Chapo, obteve 65% dos votos, segundo a decisão do tribunal superior, revisando para baixo os resultados iniciais de quase 71%.
Seu principal oponente, Venancio Mondlane, que reivindica a vitória na eleição de 9 de outubro, foi revisado para cima com 24,19% dos votos, em comparação com os 20% atribuídos anteriormente, informou o conselho.
O candidato da oposição, que rejeita qualquer compromisso com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), havia convocado uma “nova revolta popular de alcance sem precedentes” caso os resultados que mostram Daniel Chapo como vencedor fossem aprovados e advertiu que a decisão poderia mergulhar o país no “caos”.
A ex-colônia portuguesa passou por dois meses de distúrbios desde que a comissão eleitoral anunciou, em 24 de outubro, a vitória do candidato da Frelimo, Daniel Chapo, 47 anos, um ex-governador de província com pouca experiência política.
Os confrontos custaram a vida de 130 pessoas, a maioria delas manifestantes mortos a tiros, de acordo com a ONG Plataforma Decide.
Mondlane, ex-comentarista político na televisão, alega ter obtido 53% dos votos após uma recontagem paralela das eleições, que foram marcadas por diversas irregularidades, de acordo com várias missões internacionais de observação.
O líder da oposição está refugiado no exterior há semanas, depois de denunciar duas tentativas de assassinato.
Mas ele deu a entender que poderia retornar a Maputo em 15 de janeiro, o dia da posse.
“Em 15 de janeiro, tomaremos o poder em Maputo”, disse ele. “Se tivermos que perder nossas vidas em uma luta justa, nós as perderemos”, declarou.
- Cidade fantasma -
O movimento de protesto não se enfraqueceu em dois meses e Maputo parecia uma cidade fantasma na segunda-feira, após o apelo da oposição - antes do anúncio do tribunal - para “paralisar” o país.
As principais estradas que levam à cidade foram bloqueadas por barricadas. Além disso, cordões policiais impediram as pessoas de se aproximarem do palácio presidencial e da sede do Conselho Constitucional.
Esse é o “protesto pós-eleitoral mais perigoso” da história para a Frelimo, que lidera Moçambique desde a independência em 1975, disse Borges Nhamirre, consultor moçambicano do Instituto de Estudos de Segurança em Pretória.
“Haverá altercações”, prevê ele. “A questão, que acho que ninguém pode responder, é quanto tempo isso vai durar”, acrescenta.
Essas semanas de manifestações não seguem nenhum padrão habitual nesse país de 33 milhões de habitantes, um dos mais pobres do mundo e onde a economia informal é predominante.
“Dizia-se que os movimentos de protesto em Moçambique não podiam durar mais de um mês”, diz Nhamirre. “Isso não tem nada a ver com o que estamos acostumados a ver”, enfatiza.
- A primavera do sul da África -
Muitos habitantes desse país, um dos mais desiguais do mundo, esperavam que, com essas eleições, deixassem para trás a Frelimo, uma formação de inspiração marxista na época da guerra de independência e, mais tarde, na guerra civil, que terminou em 1990.
“As pessoas estão realmente irritadas”, observa Johann Smith. “Posso estar errado, mas mesmo que eles o matem [...], o movimento continuará. É quase a primavera do sul da África”, diz ele.
Suas palavras fazem alusão ao revés sofrido este ano pelos partidos de libertação na região, como a reviravolta eleitoral do Congresso Nacional Africano (ANC) na África do Sul, um partido no poder desde o fim do apartheid que perdeu sua maioria absoluta pela primeira vez, e a derrota histórica em Botsuana do BDP, que governava o país desde 1966.
L.Bufalini--PV