O possível impacto do acordo UE-Mercosul na agricultura europeia
O acordo para um tratado de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que ainda precisa ser ratificado pelos países, preocupa o setor agrícola europeu, temeroso de uma invasão de produtos latino-americanos em seu mercado.
Bruxelas assegura que serão apenas "volumes pequenos", mas isto já eleva o risco de desestabilização em alguns setores.
- Volumes agrícolas -
A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, fala de "volumes pequenos", comparando as cotas de importações previstas às produzidas anualmente pelo bloco.
O tratado reduzirá ou eximirá de tarifas alfandegárias até 99 mil toneladas de carne bovina, o que representa 1,6% da produção da UE.
O limite será de 25 mil toneladas para a carne suína (0,1% da produção do bloco), de 180 mil toneladas para as aves de criação (1,4%) e de 190 mil toneladas para o açúcar (1,2%).
Em troca, Bruxelas assegura que o acordo representará uma oportunidade de mercado para produtos europeus até agora com acesso restrito na América Latina, como o vinho (taxado atualmente em até 35%) e os queijos, que podem se beneficiar do "auge de uma classe média" no subcontinente.
O governo espanhol, que apoia o acordo, também destaca o caso do azeite de oliva, mas os sindicatos agrícolas do país, especialmente os pecuaristas, estão preocupados.
- Setores expostos -
Embora os volumes previstos sejam baixos em relação à produção europeia, já afetam alguns setores.
Patrick Bénézit, vice-presidente da associação interprofissional de carne bovina da França, ressalta que os países do Mercosul já fornecem a maior parte das importações de contrafilé, um corte nobre.
A produção de contrafilé na Europa "é de 400 mil toneladas em raças bovinas, portanto a entrada de 99 mil toneladas já tem um impacto".
Os produtores de frango também temem que seus similares no Brasil concentrem sua produção nos cortes mais rentáveis, os filés.
Para o setor açucareiro, já afetado pelas facilidades alfandegárias acordadas com a Ucrânia, o teto de 190 mil toneladas representa metade das exportações da França, um dos países mais avessos ao tratado, para outros membros da UE.
E os produtores de etanol, de mel ou suínos também estão em risco, afirma Stefan Ambec, economista do instituto de pesquisas INRAE, que antecipa uma queda nos preços pagos aos agricultores europeus.
"Os custos de produção diferem e o problema é que as normas sanitárias e ambientais não são as mesmas", explica.
- As normas -
A Comissão argumenta que "todo produto do Mercosul terá que respeitar as estritas normas da UE no tema da segurança alimentar".
Em seis anos, o acordo de livre-comércio CETA, assinado com o Canadá, por exemplo, não alcança as cotas de exportação de carne porque não há produção suficiente que cumpra as normas comunitárias, ressalta um funcionário europeu.
Mas Bruxelas admite que "as condições de produção" no Mercosul não serão necessariamente as mesmas que na Europa.
Por isso, os contrários ao acordo pedem "cláusulas espelho", isto é, que as regras impostas aos agricultores europeus no tema social, ambiental ou de bem-estar animal sejam aplicadas também aos produtores do Mercosul para evitar distorções de concorrência.
"Vende-se como um acordo de nova geração, que leva em conta os aspectos ambientais e climáticos, mas os compromissos são frágeis: não há nenhuma condicionalidade", adverte Ambec.
- Os controles -
Outra questão é como garantir o cumprimento das normas sanitárias.
"Teoricamente, a carne tratada com antibióticos ou hormônios de crescimento não pode entrar, mas na prática sua rastreabilidade é imperfeita", diz Ambec.
De fato, uma auditoria da UE acaba de revelar falhas nos controles da carne bovina no Brasil, incapazes de garantir a ausência do hormônio estradiol, proibido na Europa. À espera de revisar estes processos, o Brasil suspendeu suas exportações.
- 'Freio de emergência' -
O acordo inclui "uma cláusula de salvaguarda", uma espécie de "freio de emergência" em caso de aumento repentino das importações ou de efeitos nocivos no mercado, ressalta a Comissão Europeia.
Mas esta cláusula "não define" as condições precisas, aponta Ambec, o que complica sua ativação e o restabelecimento de tarifas alfandegárias sem medidas de represália.
N.Tartaglione--PV